domingo, 16 de agosto de 2015

Entrevista com Drummond

1. DRUMMOND, COMO VOCÊ ENXERGA SUA VINDA AO MUNDO ?
Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser guache na vida.
( Poema de Sete Faces. Op. Cit.,p.13)

2. COMO FOI SUA INFÂNCIA?
Minha mãe ficava sentada cosendo
Olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que de Robinson Crusoé.
( Infância, Op. Cit., p.54.)

3. DRUMMOND, VOCÊ ACHA POSSÍVEL UMA EXISTÊNCIA SEM OBSTÁCULOS?

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas rotinas tão fatigadas.
nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

4. O QUE VOCÊ ACHA DA FAMA?

O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal
tira outro do nariz.
(Política Literária, op. Cit.,p.61-62.)


5. VOCÊ CONCORDA QUE O POETA SEMPRE TRAVA UMA LUTA COM A PALAVRA QUANDO QUER EXPRESSAR SEUS SENTIMENTOS?

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto,vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
( Poesia, op. Cit.,p. 65)


6. COMO VOCÊ ENCARA A MONOTONIA DA VIDA ?


Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham

Êta vida besta, meu Deus.
(CidadezinhaQualquer.Op.Cit.,p.67)


7. MUITOS CRÍTICOS VÊEM PESSIMISMO EM SUA OBRA. VOCÊ SABERIA DIZER A RAZÃO DESSE PESSIMISMO ?

Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa
A rua é inútil e nenhum auto
Passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lente
Em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
Princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
Ou se é alguém que se diverte
Por que não ? na noite escassa

Com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
Nós gritamos: sim! Ao eterno.
(Soneto de Perdida Esperança .Op.cit.,p.84)


8. VOCÊ SENTE NOSTALGIA EM RELAÇÃO À SUA CIDADE NATAL?


Alguns anos vivi em Itabira
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste,orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas,sem mulheres e sem
[ horizontes.]
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
Este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
Este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
Este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro,tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é penas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
(Confidência de Itabirano.Op.cit.,p.101-102)



9. DRUMMOND,EM ALGUNS VERSOS DE SUA PRIMEIRA OBRA (Alguma Poesia), NOTAMOS UM TIPO DE HUMOR SEMELHANTE AO DOS MODERNISTAS DA PRIMEIRA FASE. DEPOIS, VOCÊ VIVEU A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. O CLIMA DE ANGÚSTIA E DE MEDO REINANTE NA ÉPOCA LEVOU-O A ALTERAR A TEMÁTICA DE SUA OBRA?

Provisoriamente não cantaremos o amor,
Que se refugiou mas abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos, que esteriliza os abraços,
Não cantaremos o ódio porque esse não existe,
Existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
O medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
O medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
Cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
Depois morreremos de medo
E sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

( Congresso Internacional do Medo.Op.Cit.,p.105)


10. AFINAL, QUAL É A SUA PROPOSTA ENQUANTO POETA?


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade.
0 presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.


Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

( Mãos Dadas. Op.Cit.p.111)


11. DRUMMOND, QUAL É A MATÉRIA DA SUA POESIA?

Poeta do finito e da matéria,
cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,
boca tão seca, mas ardor tão casto.
Dar tudo pela presença dos longínquos,
sentir que há ecos, poços, mas cristal,
não rocha apenas, peixes circulando
sob o navio que leva esta mensagem,
e aves de bico longo conferindo
sua derrota, e dois ou três faróis,
últimos! Esperança do mar negro.


Essa viagem é mortal, e começa-la.
Saber que há tudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras,
secretas,duras. Eis aí meu canto.

( Consideração do Poema. Op. Cit.,p.137-138)

12. ONDE ESTÁ A POESIA, DRUMMOND?
Penetra surdamente no meio das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escreve-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

(Procura da Poesia. Op. Cit.,p.138-139)


13. E DEUS?


Responde, por favor: Deus é quem sabe?
Sabe Deus o que faz?
Deus dá o pão, não amassa a farinha?
Deus o dá, Deus o leva?
Pertence-lhe o futuro?
Deus te dá saúde? Deus ajuda?
a quem cedo madruga?
Será que Deus não dorme?
E é Deus por todos, cada um por si?
Deus consente, mas nem sempre? Deus
perdoa,Deus castiga?
Deus me livra ou salva?
Deus vê o que o diabo esconde?
De hora em hora Deus melhora?
Mas é se Deus quiser?
E Deus quer?
Deus está em nós? E nós,
responde, estamos nele?

(Rifoneiro Divino.In: A Paixão Medida.Rio de Janeiro,Liv.José Oliympio Ed.,1980.p.56)