Com essa afirmativa – Vais encontrar o
mundo! – o pai de Sérgio leva-o ao internato masculino, cujo nome identifica o
importante romance de Raul Pompéia: O ateneu. O texto apresenta uma solenidade
na escola.
O busto
Aristarco inclinou-se ligeiramente para a
Graciosa Senhora. Passeou um olhar sobre o anfiteatro. Não pôde dizer palavra.
Pela primeira vez na vida sentiu-se mal diante de um auditório. A massa de
ouvintes apertava-se curiosa na linha das bancadas, em curva de ferradura. A
cor preta das casacas e paletós generalizava-se no espaço como uma escuridão
desnorteadora; amedrontava-o o semicírculo negro, enorme. A impressão
simultânea do público impedia-lhe reconhecer uma fisionomia amiga que o
animasse. Mas urgia improvisar alguma coisa antes da eloquência rabiscada que
trazia em tiras de papel... Quando o olhar foi ter a um objeto que o chamou à
consciência de si mesmo. Diante da tribuna erigia-se uma peanha de madeira lustrosa; sobre a peanha uma forma indeterminada,
misteriosamente envolta numa capa de lã verde. A surpresa! Era ele, que ali
estava encapado na expectativa da oportunidade; ele bronze impertérrito, sua efígie, seu estímulo, seu exemplo: mais ele até
do que ele próprio, a tremer; porque bronze era a verdade do seu caráter, que
um momento absurdo de fraqueza desfigurava e subtraía. Lembrou-se de que o
vasto barracão, as alças de flores, o vigamento, a belbutina, a arquitetura dos palanques, os galões alfinetados,
todas as sanefas de paninho, o olhar dos discípulos, a presença da população, o
busto na capa verde, tudo era o seu triunfo por seu triunfo, e o embaraço
desvaneceu-se. A inspiração ferveu-lhe de engulho
à goela, vibrou-lhe elétrica na língua, e ele falou. Falou como nunca, esqueceu
o calhamaço sobressalente que trouxera, improvisou como Demóstenes, inundou a
arena, os degraus do trono, as ordens todas da arquibancada até a oitava, com o
mais espantoso chorrilho de facúndia que se tem feito correr na
terra.
(...)
Depois de uma parte de concerto, que foi
como descanso reparador, seguiu-se a oferta do busto. Teve a palavra o
Professor Venâncio.
- Coroemo-lo!- bradou de súbito
Venâncio.
Neste momento, o
Clímaco, estrategicamente postado, puxou com força um cordão. Da capa verde
dilacerada, emergiu a surpresa: o busto da oferta. Um pouco de sol rasteiro,
passando a lona, vinha de encomenda estilhaçar-se contra o metal novo.
-Coroemo-lo!
repetia Venâncio, num vendaval de aclamações. E sacando da tribuna esplêndida
coroa de louros, que ninguém vira, colocou-a sobre a figura.
Aristarco caiu em
si. Referia-se ao busto toda a oração encomiástica de Venâncio. Nada para ele
das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da metamorfose fora uma alucinação. O
aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava a ser o pobre Aristarco,
mortal, de carne e osso. O próprio Venâncio, o fiel Venâncio, abandonava-o. E
por causa daquilo, daquela coisa mesquinha sobre a peanha, aquele pedaço de
Aristarco, que nem ao menos era gente!
Mal acabou de falar
o professor, viu-se Aristarco levantar-se, atravessar freneticamente o espaço
atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.
1-
Dê o significado das palavras destacadas de
acordo com o texto.
2-
Assinale a melhor alternativa e justifique com
fragmentos do texto:
a-
Trata-se de um narrador onisciente, que não
participa das ações narradas, por isso, usa a 1ª pessoa.
b-
Trata-se de uma personagem secundária, que narra
em 3ª pessoa porque só visualiza as ações externas praticadas pelas demais
personagens.
c-
Trata-se de um narrador-protagonista que, no
entanto, penetra na intimidade das demais personagens, vendo-as pelo lado de dentro, caracterizando lhes o
estado de espírito.
d-
Trata-se de um narrador distante e frio, que
descreve apenas matéria que objetivamente visualiza.
3-
Classifique seguindo o código:
A-
Emoções ou sentimentos vividos internamente pela
personagem
B-
Sensações ou impressões experimentados
internamente pela personagem
C-
Ações praticadas pela personagem
( ) Aristarco inclinou-se ligeiramente para a Graciosa Senhora.
( ) A cor preta das casacas e paletós generalizava-se no espaço como uma
escuridão desnorteadora...
( ) ... amedrontava-o o semicírculo negro, enorme.
( ) ... e o embaraço desvaneceu-se.
( ) A inspiração ferveu-lhe de engulho à goela.
( ) ... sofreu o segundo abalo de terror daquela solenidade.
( ) A oscilação do turíbulo pode fazer enjoo.
( ) Gostava do elogio, imensamente.
( ) Perdia a sensação da roupa.
( ) Ele sentia metalizar-se a carne.
( ) ... o Clímaco, estrategicamente
postado, puxou com força um cordão.
( ) Um pouco de
sol rasteiro (...) vinha de encomenda estilhaçar-se contra o metal novo.
4-
Assinale a alternativa correta, justificando com
exemplos:
a-
Predominam as situações estáticas, ou seja, não
há movimento, nem externo às personagens, nem interno.
b-
Predominam as situações dinâmicas apenas
externamente, pois o leitor não tem a percepção da realidade psíquica das
personagens.
c-
O movimento exterior, as ações visualizáveis,
são decorrência da mobilidade psíquica da personagem.
5-
Relacione as ações abaixo com o sentido humano
que ela desenvolve:
a-
A cor
preta das casacas e paletós generalizava-se
b-
...
ele bronze impertérrito...
c-
A
inspiração ferveu-lhe de engulho à goela.
d-
A
oscilação do turíbulo pode fazer enjoo.
e-
...
congelava-lhe os membros uma frialdade de ferro...
f-
... adivinhava reflexos desconhecidos de
polimento.
g-
Consolidavam-se
as dobras das roupas em modelagem resistente e fixa.
6-
Retire do 1ª parágrafo uma metáfora e uma
metonímia e explique-as.
7-
O final do texto pode ser caracterizado como
lírico, épico, dramático ou irônico? Por quê?