sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O busto- 2º ano

Com essa afirmativa – Vais encontrar o mundo! – o pai de Sérgio leva-o ao internato masculino, cujo nome identifica o importante romance de Raul Pompéia: O ateneu. O texto apresenta uma solenidade na escola.
O busto
Aristarco inclinou-se ligeiramente para a Graciosa Senhora. Passeou um olhar sobre o anfiteatro. Não pôde dizer palavra. Pela primeira vez na vida sentiu-se mal diante de um auditório. A massa de ouvintes apertava-se curiosa na linha das bancadas, em curva de ferradura. A cor preta das casacas e paletós generalizava-se no espaço como uma escuridão desnorteadora; amedrontava-o o semicírculo negro, enorme. A impressão simultânea do público impedia-lhe reconhecer uma fisionomia amiga que o animasse. Mas urgia improvisar alguma coisa antes da eloquência rabiscada que trazia em tiras de papel... Quando o olhar foi ter a um objeto que o chamou à consciência de si mesmo. Diante da tribuna erigia-se uma peanha de madeira lustrosa; sobre a peanha uma forma indeterminada, misteriosamente envolta numa capa de lã verde. A surpresa! Era ele, que ali estava encapado na expectativa da oportunidade; ele bronze impertérrito, sua efígie, seu estímulo, seu exemplo: mais ele até do que ele próprio, a tremer; porque bronze era a verdade do seu caráter, que um momento absurdo de fraqueza desfigurava e subtraía. Lembrou-se de que o vasto barracão, as alças de flores, o vigamento, a belbutina, a arquitetura dos palanques, os galões alfinetados, todas as sanefas de paninho, o olhar dos discípulos, a presença da população, o busto na capa verde, tudo era o seu triunfo por seu triunfo, e o embaraço desvaneceu-se. A inspiração ferveu-lhe de engulho à goela, vibrou-lhe elétrica na língua, e ele falou. Falou como nunca, esqueceu o calhamaço sobressalente que trouxera, improvisou como Demóstenes, inundou a arena, os degraus do trono, as ordens todas da arquibancada até a oitava, com o mais espantoso chorrilho de facúndia que se tem feito correr na terra.
(...)
Depois de uma parte de concerto, que foi como descanso reparador, seguiu-se a oferta do busto. Teve a palavra o Professor Venâncio.
- Coroemo-lo!- bradou de súbito Venâncio.
Neste momento, o Clímaco, estrategicamente postado, puxou com força um cordão. Da capa verde dilacerada, emergiu a surpresa: o busto da oferta. Um pouco de sol rasteiro, passando a lona, vinha de encomenda estilhaçar-se contra o metal novo.
-Coroemo-lo! repetia Venâncio, num vendaval de aclamações. E sacando da tribuna esplêndida coroa de louros, que ninguém vira, colocou-a sobre a figura.
Aristarco caiu em si. Referia-se ao busto toda a oração encomiástica de Venâncio. Nada para ele das belas apóstrofes! Teve ciúmes. O gozo da metamorfose fora uma alucinação. O aclamado, o endeusado era o busto: ele continuava a ser o pobre Aristarco, mortal, de carne e osso. O próprio Venâncio, o fiel Venâncio, abandonava-o. E por causa daquilo, daquela coisa mesquinha sobre a peanha, aquele pedaço de Aristarco, que nem ao menos era gente!
Mal acabou de falar o professor, viu-se Aristarco levantar-se, atravessar freneticamente o espaço atapetado, arrancar a coroa de louros ao busto.
Louvaram todos a magnanimidade da modéstia.
1-      Dê o significado das palavras destacadas de acordo com o texto.
2-      Assinale a melhor alternativa e justifique com fragmentos do texto:
a-      Trata-se de um narrador onisciente, que não participa das ações narradas, por isso, usa a 1ª pessoa.
b-      Trata-se de uma personagem secundária, que narra em 3ª pessoa porque só visualiza as ações externas praticadas pelas demais personagens.
c-      Trata-se de um narrador-protagonista que, no entanto, penetra na intimidade das demais personagens, vendo-as pelo lado de dentro, caracterizando lhes o estado de espírito.
d-     Trata-se de um narrador distante e frio, que descreve apenas matéria que objetivamente visualiza.
3-      Classifique seguindo o código:
A-    Emoções ou sentimentos vividos internamente pela personagem
B-    Sensações ou impressões experimentados internamente pela personagem
C-    Ações praticadas pela personagem
(     ) Aristarco inclinou-se ligeiramente para a Graciosa Senhora.
(     ) A cor preta das casacas e paletós generalizava-se no espaço como uma escuridão desnorteadora...
(     ) ... amedrontava-o o semicírculo negro, enorme.
(     ) ... e o embaraço desvaneceu-se.
(     ) A inspiração ferveu-lhe de engulho à goela.
(     ) ... sofreu o segundo abalo de terror daquela solenidade.
(     ) A oscilação do turíbulo pode fazer enjoo.
(     ) Gostava do elogio, imensamente.
(     ) Perdia a sensação da roupa.
(     ) Ele sentia metalizar-se a carne.
(     ) ... o Clímaco, estrategicamente postado, puxou com força um cordão.
(     ) Um pouco de sol rasteiro (...) vinha de encomenda estilhaçar-se contra o metal novo.
4-      Assinale a alternativa correta, justificando com exemplos:
a-      Predominam as situações estáticas, ou seja, não há movimento, nem externo às personagens, nem interno.
b-      Predominam as situações dinâmicas apenas externamente, pois o leitor não tem a percepção da realidade psíquica das personagens.
c-      O movimento exterior, as ações visualizáveis, são decorrência da mobilidade psíquica da personagem.
5-      Relacione as ações abaixo com o sentido humano que ela desenvolve:
a-      A cor preta das casacas e paletós generalizava-se
b-      ... ele bronze impertérrito...
c-      A inspiração ferveu-lhe de engulho à goela.
d-     A oscilação do turíbulo pode fazer enjoo.
e-      ... congelava-lhe os membros uma frialdade de ferro...
f-       ... adivinhava reflexos desconhecidos de polimento.
g-      Consolidavam-se  as dobras das roupas em modelagem resistente e fixa.
6-      Retire do 1ª parágrafo uma metáfora e uma metonímia e explique-as.

7-      O final do texto pode ser caracterizado como lírico, épico, dramático ou irônico? Por quê?

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