Coração materno (Paulo Mendes Campos)
Duas horas da tarde. Ali no inicio do Morro da Viúva
fizeram sinal: duas senhoras, ambas de cabelos brancos, preparavam-se para
entrar no lotação, quando o motorista gritou: “Um lugar só”. A velhinha mais
velha, já com o pé colocado no carro com imensa dificuldade, conseguiu retirar
a perna comprometida, com dificuldade ainda maior, sob protestos persuasivos da
velha mais moça, que dizia:
- Vai mamãe, vai a senhora, eu vou em outro.
A mãe se desmanchando em timidez, medo e bondade,
sorria:
- Não, minha filha, eu não posso te deixar aqui
sozinha.
- Vai, mamãe.
- Não, minha filha.
- Pelo amor de Deus, mãe; o homem está esperando.
- Mas... minha filha?!
Os passageiros aguardavam com a tolerante paciência de
quem tem ou já teve mãe. O motorista fez força ( e o conseguiu, parabéns) par
refrear a sua fúria de Averno.
- Vai, mãezinha; aqui neste ponto é difícil arranjar
dois lugares.
- Não posso te deixar sozinha, minha filha. Nunca!
Diante do impasse, levantou-se, resoluto, um senhor
sentado no banco da frente, oferecendo-se para ir em pé, as duas senhoras iriam
sentadas. Ah, mas isso não, aparteou o motorista, era contra o regulamento, dava
multa. O amável passageiro descompôs o regulamento do trafego e os demais
regulamentos: eram desumanos. Ao pé da calçada, o torneio sentimental de mãe e
filha continuava.
- Vai, vai, mamãe.
- Não posso ir sem você, minha filha.
Quem viu a necessidade eventual de perder docemente a
paciência foi a filha. Usando de energia adequada ao momento, segurou o braço
da velhinha (mas velhinha mesmo, frágil, frágil), empurrou-a com o mínimo de
força necessária, proferiu uma ordem imperiosa:
- Vai, mãe.
E a velha mais moça se afastou em passadas compridas,
impedindo a contramarcha da velha mais velha, que estava no limite extremo de
sua timidez, e não teve outro jeito senão agarrar-se ao braço do motorista,
entrar penosamente, sorrir pedindo perdão para todos os passageiros. Ajeitou-se
no banco, esperou o barulho do motor e comentou para a vizinha (que a olhava,
compreendendo tudo, as velhas, as mães, os cosmos):
- Coitadinha! Eu fico morrendo de deixar ela aí, só,
tão longe!
Longe de onde? Das entranhas que criaram uma menina.
Longe. Só.
A viagem para o centro foi recomeçada, sem novidades,
todos voltaram para dentro de si mesmos, esquecidos do episodio. A mãe, no
entanto, furtiva (certa de que já causara bastante transtornos naquele dia)
inspecionava todos os lotações que ultrapassavam o nosso, aflita em sua
inquietude, buscando lobrigar a filha. Mas foi só, quando o lotação entrou na
Avenida, e parou diante de um sinal, que, enfim, a velha mais moça, a filha,
apareceu em um lotação ao nosso lado. As duas se sorriram como depois de uma
longa e apreensiva travessia.
A velhinha chegou a fazer graça:
- Graças a Deus, minha filha! Você ainda chegou antes
de mim.
- Eu não disse, mãe, que não tinha perigo?
A filha desceu na esquina, chegou ate perto da janela
do nosso lotação, segurou a mão de sua mãe:
- Agora vai direitinha, viu?
- Você pode ir descansada, minha filha.
O lotação arrancou de novo, gestos de adeus, a harmonia
voltou ao rosto da nossa velhinha, que tranqüilizou também a vizinha de banco:
- Ela vai trabalhar no Ministério; eu vou para casa;
moro no Rio Comprido.
1.
Veja que o autor
se preocupa em situar no tempo a cena que vai contar: “duas horas da tarde”.
Isso se deve ao fato de:
a-
ser o horário em
que há o menor numero de lotações nas ruas
b-
ser hora de
bastante movimento
c-
ser o horário
habitual das duas senhoras saírem de casa
d-
ele querer mostrar
que já era bastante tarde
e-
ele quer narrar a
cena com todos os seus detalhes
2.
O autor diz que “a
mãe se desmanchando em timidez, medo e bondade, sorria”. As atitudes que comprovam
os sentimentos da mãe, descritos pelo cronista, são todas essas, exceto:
a-
ela
envergonhava-se da cena a que os passageiros assistiam
b-
ela sentia medo
porque o lotação poderia arrancar de repente
c-
mostrava-se
temerosa por deixar a filha sozinha
d-
pensava mais na
filha do que em si mesma
e-
ela queria ser
gentil com a filha
3.
Ao dizer que “o
motorista fez força (e o conseguiu, parabéns), para refrear sua fúria”, Paulo
Mendes mostra-se:
a-
Nervoso d-
revoltado
b-
Irônico e-conformado
c-
aliviado
4.
O cronista diz que
“os passageiros aguardavam com a tolerante paciência de quem tem ou já teve
mãe”. Com isso, ele mostra que os passageiros assistiam à cena com:
a-
enternecida
paciência d-
amorosa delicadeza
b-
irritada paciência e- frio
desinteresse
c-
tolerante
paciência
5.
Respondidas as
questões anteriores, você pode concluir que o principal sentimento da mãe em
relação à filha era de:
a-
Piedade d- proteção
b-
Carinho e- compreensão
c-
abnegação
6.
Quando,
finalmente, a filha resolve a questão, empurrando a mãe para dentro do lotação,
ela se mostra:
a-
Resoluta d-
ríspida
b-
Violenta e-
grosseira
c-
irritada
7.
E a velha, ao
entrar no lotação, mostra-se:
a-
Irritada d- amolada
b-
Impaciente e- decepcionada
c-
humilde
8.
Ao comentar com a
vizinha: “Coitadinha! Eu fico morrendo de pena de deixar ela aí, só, tão
longe!”, a mãe queria realmente:
a-
desabafar toda a
preocupação de que estava tomada
b-
satisfazer a
curiosidade da vizinha
c-
satisfazer a
curiosidade dos passageiros
d-
mostrar sua
preocupação com a filha
e-
justificar-se do
incomodo que causara
9.
“Longe de onde? Das
entranhas que criaram uma menina. Longe. Só”. A alternativa que decodifica de
maneira mais completa a frase é:
a-
a filha ficara
muito longe da mãe que partira num lotação
b-
a filha ficara
longe da mãe que via nela ainda uma criança
c-
a filha já não era
aquela menina de outrora
d-
aquela mãe
considerava a filha uma criança ainda
e-
aquela mãe não se
conformava nunca de ver a filha longe
10. Você deve ter notado que, no 1º parágrafo, o autor
refere-se às personagens como duas senhoras de cabelos brancos: a velhinha mais
velha e a velhinha mais moça. Ele não quer mostrar o parentensco entre as duas,
de inicio, porque:
a-
quer mostrar a
diferença de idade entre as duas
b-
quer mostrar que
não havia diferença de idade entre elas
c-
quer mostrar ao
leitor que ambas são muito velhas
d-
quer mostrar ao
leitor que elas tinham alguma coisa em comum
e-
quer mostrar que
não fazia diferença o fato de serem mãe e filha
Nenhum comentário:
Postar um comentário