Beijos e abraços
Os
franceses se beijam, e não apenas quando estão se condecorando. Mas dois
franceses só chegam ao ponto de se beijar no fim de um longo processo de desinformalização do seu
relacionamento, que começa quando um propõe ao outro que abandone o “vous”, e
eles passem a se tratar por “tu”, geralmente depois de se conhecer por alguns
anos. Não sei se existe um prazo certo para o “vous” dar lugar ao “tu”, mas é
um passo importante, e até ele ser dado o cumprimento entre os dois jamais
passará de um seco aperto de mãos.
Os
russos se beijam com qualquer pretexto e dizem que a progressão, lá, não é do
aperto de mão para o abraço e o beijo, mas de beijos protocolares para beijos
cada vez mais longos e estalados. Na Itália, os homens andam de braços dados na
rua, sem que isso indique que são noivos, e o beijo entre amigos também é
comum. Os anglo-saxões são mais comedidos e mesmo os americanos, que são
ingleses sem barbatana, reagem quando você, esquecendo onde está, ameaça
abraçá-los. Ninguém é mais informal que um americano, ninguém mais antifrancês
na velocidade com que chega à etapa equivalente ao “tu” sem nenhum ritual
intermediário, mas a informalidade não se estende à demonstração física. Até
aquele nosso hábito de bater no braço do outro quando se aperta a mão, aquela
amostra grátis de abraço, eles estranham.
Já
nós somos da terra do abraço, mas também temos nossas hesitações afetivas. O
brasileiro é expansivo, mas tem, ao mesmo tempo, um certo pudor dos seus
sentimentos. O meio-termo encontrado é insoluto carinhoso.
Não
sei se é uma característica exclusivamente brasileira, mas é um a instituição
nacional.
-
Seu filho da mãe!
-
Seu cafajeste!
São
dois amigos que se encontram.
-
Não. Só me faltava encontrar você. Estragou meu dia.
-
Este lugar já foi mais bem freqüentado...
Depois
dos insultos, se abraçam com fúria. Os sonoros tapas nas costas – outra
instituição brasileira - chegam ao limite entre a cordialidade e a costela
partida.
Eles
se adoram, mas ninguém se engane. É amor de homem. Quanto maior a amizade,
maior a agressão. E você pode ter certeza que dois brasileiros são íntimos
quando põem a mãe no meio. A mãe é o último tabu brasileiro. Você só insulta a
mãe do seu melhor amigo.
-
Sua mãe continua na zona?
-
Aprendendo com a sua.
-
Dá cá um abraço!
E
lá vêm os tapas.
Um
estrangeiro despreparado pode levar alguns sustos antes de se acostumar com a
nossa selvageria amorosa.
-
Crápula!
-
Vigarista!
-
Farsante!
-
My God! Eles vão se matar!
Não
se matam. Se abraçam, às gargalhadas. Talvez ensaiem alguns socos nos braços ou
simulem diretos no queixo. Mas são amigos. Depois de algum tempo o estrangeiro
se acostuma com cenas como esta. Até acha graça.
-
Olha aqueles dois se batendo. Até parece uma briga. Um está batendo na cara do
outro. Devem ser muito amigos. Agora trocam pontapés. É enternecedor. Agora um
pega uma pedra do chão e... Acho que é briga mesmo!
Ás
vezes é briga mesmo.
(Veríssimo,
Luis Fernando. O Estado de S. Paulo)
1-
Qual
o grau de intimidade que deve ser atingido para que dois franceses cheguem ao
ponto de se beijar?
2-
Quem
são os anglo-saxões?
3-
Explique
a expressão “os americanos são ingleses sem barbatana”.
4-
No
contexto, explique por que o americano é um antifrancês.
5-
Explique
a seguinte colocação: “você só insulta a mãe do seu melhor amigo”.
6-
Identifique
os autores das seguintes frases:
- Crápula!/
-Vigarista!/ Farsante!/ -My God! Eles vão se matar!
7-
Levando
ao extremo as bem-humoradas colocações do texto, como mediríamos o grau de
intimidade entre dois amigos brasileiros?
8-
O
texto apresenta um narrador, ou seja, aquele que nos conta um acontecimento.
Qual a sua nacionalidade? Que palavra (s) comprova a tua resposta?
9-
Quantas
“linguagens” utilizadas na comunicação entre amigos o texto aponta?
10-
Você
também se comunica por meio de uma dessas linguagens abordadas pelo texto? Com
quem e em qual situação?
Agora é sua vez...
Atividade em dupla:
Escrever uma crônica humorada sobre algum assunto escolar.
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